segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

O beijo na Bandeira Nacional: Dilma, primeira Presidenta brasileira

No início deste ano elegemos mais um presidente para o nosso Brasil. A diferença das outras eleições é que pela primeira vez na história do Brasil foi eleita uma mulher para assumir o país.

Abaixo segue um artigo de uma garota mineira que sempre ouviu o pais falarem sobre política e ao ver uma mulher assumir a presidência do Brasil sentiu vontade de escrever e deixar registrado seu pensamento.

Leiam, vale a pena!!!

Denise de Paula Resende
Belo Horizonte, MG


Sou mulher e tenho 28 anos. Até os 15, morava na capital paulista, onde nasci. Vivi em casa, desde criança, no mundo de Lula. Meu pai era metalúrgico e trabalhava nos movimentos sindicais e, depois, partidários. Cresci nos ombros dele em grandes comícios do PT, gritando LULA LÁ e balançando as bandeiras que minha mãe mesma confeccionava. Lula lá, brilha uma estrela... Talvez eu não entendesse o que era o “lá”, mas eu sabia bem que uma estrela brilhava. Eu gostava desse verso. PT era o Partido dos Trabalhadores e meu pai era trabalhador. Eu também sabia disso porque quase não o via em dias de semana. Crescia assim. Era menina que ia a reuniões de partido, fazia boca de urna e ouvia bem atenta as histórias sobre a ditadura.Na verdade, sempre quis ser um pouco mais velha e pintar meu rosto para comparecer nas Diretas Já. Meus colegas do colegial eram liberados do horário de aula para participar desse movimento. Sentia pesar por não ter nascido pelo menos uns 10 anos antes. Vivi o LULA LÁ, no grito; e, no meu primeiro voto, venci com o AGORA É LULA. Também levei o Lula para a faculdade. Em minhas pesquisas de iniciação científica e de mestrado, constou o nome desse agente político quase como uma marca registrada, um rastro.

Pergunto-me: por que nasce agora este anseio de escrever sobre o que sinto hoje, depois de tanto tempo inerte diante do idealismo sob o qual fui criada? No dia 1º de janeiro de 2011, marejei olhos, coração e razões com o que mostraram as sem-número de telas espalhadas pela vastidão deste país. Aquelas e aqueles brasileiros que puderam estar em Brasília foram privilegiados por fazerem juntos a amplitude de mais uma reatualização do canto “olê, olê olê, olá, Lula, Lula”, como gesto de despedida ao Homem. Foram oito anos de uma história impagável de um presidente chamado Lula e, atrás dos oito anos, mais do que o dobro de tempo de uma outra história, aquela que o levou ao poder. Foi o lado de lá passando para o lado de cá. A margem ocupando o centro. Não era uma tomada de poder, mas era o povo, privado desse poder por anos a fio, chegando lá, orgulhando-se de ser representado por Ele, que foi pobre e que é povo.

Em ocasiões diversas das celebrações da posse da nova Presidenta, boa parte das emissoras “limpou”, em suas retransmissões, a força dessa expressiva voz do povo. Não duvidemos: preferiram que nós tivéssemos mais ouvidos para a almofadada voz de seus comentários enaltecedores e cheios de malícias que ludibriam. Preparam-se para continuar sua missão de formar imaginários viciados em manter a classe dominante no poder, desenvolvendo sempre projetos obcecados pela marcha alienadora da produção de opiniões massificadas – uma outra ditadura, tão silenciosa quanto perigosa. Visões perigosas que querem não torturar, mas entortar olhares; vozes que não autuam, mas que algemam a capacidade de autonomia para a reflexão crítica. Vão continuar não admitindo que Lula é um dos homens mais respeitados do planeta, querendo retirar-lhe a honra tatuada em seu nome.

Entretanto, essa a que chamam grande mídia me parece à beira de uma mudança motivada pelo próprio avanço de tecnologias de informação – elas sabem disso. Não é possível, definitivamente, dizer mais que haja grandes e pequenas mídias. Os instrumentos de comunicação de nosso tempo diluem fronteiras freneticamente, tornando-as cada vez mais móveis, e têm forte poder de disseminação. O lugar virtual em que divulgarei este meu texto, por exemplo, pode torná-lo mais acessível do que um artigo publicado em um jornal impresso diário de grande circulação. Quero, pois, que minhas idéias voem feito passarinho, pois borbulham palavras nessas veias recém-chegadas a 2011.
Entendo nossa época assim. As beiradas sociais ganham voz e ocupam o centro. Esse evento se movimenta devagar, imperceptivelmente para alguns. Essa é uma marca do nosso tempo. Vejam: um operário de força bruta, a quem o destino parecia não reservar mais que o chão de fábrica, blindou-se de todas as Forças, e, um dia, democraticamente, ocupou, com uma inteligência social inédita, o maior cargo de gestor público, levando a força do povo para o núcleo do poder formal. Lula hoje é reconhecido mundialmente como pensador da paz que queremos ver. Pensador não só de sociologias, políticas, economias e outras ciências que se dizem sociais.

Observem mais: anda longe a nossa ousadia! As mulheres emergiram e tomaram lugar onde não lhes fora jamais permitido: nos locais públicos de frequentação exclusivamente masculina, nos cargos de administração pública, nos trabalhos de administração, nas ciências, na política, no prazer ou, até mesmo, por opção, nas suas próprias casas. Dos pensamentos feministas e de seus movimentos não é preciso dizer mais. Hoje, queimar peças íntimas nas praças públicas não é resposta. Não há mais o que responder e não é preciso tanta agressividade. Ser mulher é ser mulher. A mulher não precisa disputar com homens. Não há competições, mas parcerias. Lula e Dilma fizeram lembrar essa conjugação. Lula respeitosamente beijou sua sucessora na rampa e Dilma beijou, em um gesto inédito, um dos símbolos de nossa nação. Estamos no tempo em que não há dúvida do espaço da mulher na sociedade e de que seu lugar é algo que se pode discutir pacificamente, em busca de parcerias respeitosas.

Mulheres, mulheres. A elas são atribuídos tantos adjetivos que mostram sua face rosa, como a própria sutileza. Pois bem, as sutilezas de algumas mulheres muito ajudaram nas lutas contra a ditadura, momento mais machista da história do nosso país. De lá, nasceu Dilma – sutil e dura; mulher e proativa. Era possível?! Sim, existiam mulheres assim. Corajosa Dilma: donzela que já ficou presa em torres de castelos de um regime militar cruel e massacrante. Sem tranças, desceu de lá e subiu, poucos anos depois, no sol alto da tão sonhada democracia, a rampa do Planalto. Ela é hoje (pasmem!) chefe do chefe maior das forças armadas, tendo ele que lhe prestar todas as continências. O militarismo dos anos 70, claro, nada tem a ver com o nosso Exército, Marinha e Aeronáutica, mas, naquela época, eram os que haviam tomado o poder. Imaginava Dilma que iria chegar lá? Na verdade, o sangue e o suor de muita gente sujava naquela época a mesma bandeira a que Dilma ofereceu seu beijo, prometendo-lhe o respeito que não recebeu enquanto os homens de fardas preocupavam-se em caçar subversivos.

Essa mulher foi discreta até bem pouco tempo atrás. A maior parte do Brasil a conheceu quase nas vésperas de levá-la ao poder. A multidão também gritou “olê, olê, olê, olá, Dilma, Dilma...”, com uma emoção peculiar, que pude sentir por ser mulher. Tratava-se da primeira Presidenta e também da sucessora de Lula. Eu me convenci ainda mais de que fazer a história não é apenas vê-la. Naquele momento me senti realmente mais mulher! Orgulho e alegria de ser mulher, como disse Dilma em seu discurso. Senti o sangue quente e a possibilidade de movimento. Precisamos de nos movimentar a favor da justiça e do bem comum. Esse é o espírito da mudança que Lula trouxe e que Dilma continuará carregando. A mudança também foi lingüística e escolhida brilhantemente: temos uma Presidenta e não uma Presidente. Por mais que seja aceito o uso da forma Presidente, como um substantivo comum de dois gêneros, a forma eleita por Dilma carrega a flexão de gênero. Que a estranheza que muitos dizem trazer a palavra “Presidenta” provoque realmente estranhamento e sinalize a mudança.

Pergunta o leitor, imagino: aonde vai este texto que prometeu falar sobre beijo e sobre mulher? Decerto o beijo na Bandeira Nacional foi o ato mais solene dessa passagem. Dilma Roussef flertou com a Nação e abriu um campo vasto de metáforas em nosso imaginário: o casamento da Presidenta com o nosso país; ou, para quem não põe fé em casamento, o compromisso de lealdade e respeito à Pátria coberto por um jeito maternal e feminino. Ou ainda um beijo erótico: nosso jovem país nas mãos de uma mulher ousada. O que sentiram as brasileiras e os brasileiros com aquele gesto, na verdade, ultrapassa a possibilidade de elaboração. Ainda é cedo para dizer. A Presidenta Dilma inaugurou um espaço histórico e seu gesto foi a roupa mais perfeita para essa inauguração. Dilma levou sua filha para caminhar pelas ruas de Brasília com aquele antigo rolls royce. A relação entre maternidade e mulher é oferecida para a sociedade, com Dilma e sua filha no carro, como uma forma de acolhimento. Sua filha terá milhões de habitantes como irmãos nos próximos anos. Nas palavras de seu discurso de posse, a maternidade contextualiza a palavra “carinho”, dedicada à filha, ao neto e à mãe. Coragem e carinho são palavras que a Presidenta apresentou caseadas, prontas para serem aplicadas no cuidado que terá com os filhos dessa pátria mãe gentil.

Meus olhos marejaram mesmo quando a nova Presidenta citou Guimarães Rosa. Um trecho belíssimo que coincidentemente exponho, já há algum tempo, na parede do meu quarto: “O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”. Em face da minha história e, sobretudo por ser mulher, não pude deixar de escrever para falar da coragem que representa o beijo na bandeira. Que ele represente o reconhecimento da mulher nos lugares que ocupa e que ainda precisa ocupar. Que ele desmistifique a liga da competição de gêneros e alimente a união de forças entre homens e mulheres pelo bem da sociedade. Que ele sirva como um símbolo contra os altos índices de violência contra mulheres, crianças e adolescentes. Que ele faça importantes instituições sociais repensarem suas posturas culturais e suas formas de disseminação. Que ele chegue aos grotões e às pequenas cidades que ainda tratam a mulher em esquemas medievais, fazendo-a viver uma vida de enfados, fardada por falsas morais. Que ele sirva para gerar o respeito às escolhas de cada indivíduo e sua repercussão social. Que ele reverbere nos corações dos homens e mulheres mais embrutecidos. Que a Bandeira Nacional não se esqueça jamais do seu primeiro beijo...